Owbaa Coocoo como era chamado o navio Negreiro era uma prisão
flutuante, também conhecido como Tumbeiro, visto dos 12,4 mil
brutalmente encarcerados, cerca de 4,5 mil vidas se “perderam” durante
a passagem pelo meio, o oceano atlântico, também chamado de grande
galunga pelos africanos.
Esses homens, mulheres e crianças vieram nus, sem nome, sobrenome ou
religião, tendo que se recriarem para sobreviver a toda sorte de
torturas e abusos.
Nossa herança, como afrodescendentes, se concretiza nessa recriação
continua para sobreviver ao repto do Owbaa Coocoo refletido nas águas
dos sorridentes olhos daqueles que se locupletam, se beneficiando dos
regalos dessa prisão oficializada e institucionalizada na forma
implícita da lei.
Para fugir desse Tumbeiro é necessário mergulhar nas águas profundas
de si mesmo, fazendo o regresso pelo grande calunga infestado de
tubarões, que são nada mais que seus medos em formas de dogmas e
paradigmas, que acorrentam os conformados, quando refletem nos
espelhos a sua volta.
Assim Black Bela mergulhou em si, resgatando-se de afogar no alto-
estima prostrado à seus pés de forma extremamente hábil pelas
tecnologias de informação e comunicação, sem que ela tivesse se dado
conta de ter ingressado num moderno Owbaa coocoo, com todos os
requintes de aviltamentos.
Nossa história mostra a passagem do meio dessa mulher negra de
sucesso, que mesmo após conquistar seu espaço na sociedade, acreditava
nesse reflexo padrão de qualificação imposto pela Nau capitanea.
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"Às vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho. As duas cidades gêmeas não são iguais, porque nada do que acontece em Valdrada é simétrico: para cada face ou gesto, há uma face ou gesto correspondido invertido ponto por ponto no espelho. As duas Valdradas vivem uma para a outra, olhando-se nos olhos continuamente, mas sem se amar." (Italo Calvino)
"... E a mulher criou o espelho à sua imagem e semelhança.”... E assim, o mundo transformou-se no espelho de muitas Alices e Brancas-de neve que, como Narciso, perdem-se na busca de sua própria imagem.
Afogam-se na tela da TV, onde ela nunca se vê; nas capas das revistas que aparece na crista; numa total imersão no mundo virtual, ignorando todo o mal.
Amanda Reis entrou nesse espelho, se escondendo do passado, de suas raízes, de sua história que a perseguia sem trégua, apesar da cor de sua pele.
Ela segue em sua busca pelos labirintos de espelhos, estrategicamente colocados pela mídia, a fim de encontrar sua face perdida; Descobri-la é descobrir-se.
Portanto, tornou-se inevitável quebrar esse espelho, transgredindo o labirinto, para fazer sua própria sorte.
Assim, ela busca embevecida e as vezes freneticamente, mergulhar nas águas de Narciso, para sair do próprio espelho, quebrando todos os quebrantos.
Os generosos mercadores portugueses deram duas belíssimas opções aos autóctones, logo que desembarcaram em Terras brasilianas: Trocar seus vastos territórios por lindos e brilhantes espelhos ou por suas próprias vidas. Desde então as crioulas e crioulas tupiniquins sobreviventes vem se mirando no reflexo desses espelhos-presentes de grego português.
Assim, suas vidas não se perderam; apenas foram imersas no reflexo de sua própria imagem, formatada na trágica generosidade dos mercadores d’aquém-mar. Agora vivem e se alimentam da projeção de liberdade proporcionada por essa imagem. Liberdade esta, que se tornaram fantasmas de ébanos, em centenas de vultos negros, Zumbis e N´zingas.
Seus cabelos refletidos, ora negros, ora loiros, encaracolados e lisos, crespos e sedosos e de cores mergulhadas em profundas diversidades, se misturam na face do expectador, confundindo seu próprio reflexo e embaçando seus olhos que miram o vento Sul, vindo com os Tumbeiros dos Portos da Ilha de Goré detrás do espelho d'agua, acolhendo-o após cada mergulho em si. Assim, a alma negra revive saindo das profundezas desse espelho, após cair em si todas as vezes que alguém toca um tambor dentro de seu coração, anunciando a existência de sua própria vida.
No Brasil, nossa maior festa é uma festa negra: o CARNAVAL. A santa padroeira do Brasil é Negra: N. S. Aparecida. O Brasil é o segundo país com maior número de população negra no Mundo, ficando atrás somente da Nigéria; com o agravande de que a Nigéria é um dos países africanos que mais consomem cosméticos para embranquecer a pele.
Os reflexos desse embranquecimento se mostra na saúde das nigerianas, que desenvolvem tumores e diversas complicações debilitantes. No Brazil, esses reflexos se mostram na formatação da personalidade do cidadão negro, que desvaloriza sua história, sua cultura e seus ancestrais, valorizando a cultura considerada como única e legitima. A cultura da branquitude.
Apesar de sua história, de sua cultura e de suas raízes, o espelho da mídia preconiza as atitudes, gestos, discursos e o modus vivendi do cidadão de cor, para que ele possa orbitar nessa sociedade, mesmo sem ser assimilado como ser social.
Sem a comunidade o indivíduo fica sem um espaço para contribuir, sendo ela, a comunidade, o local onde o as pessoas compartilham seus dons e recebem as dádivas dos outros; é onde as pessoas cuidam uma das outras e realizam um objetivo específico ajudando os outros a realizarem seus propósitos.