No idioma bantu, a palavra KIBA significa PELE; quando usamos a máxima “Ser e não Ser” em vez do dilema Shakespeariano do “ser ou não ser”, o fazemos de forma proposital descartado os extremos para focar no dualismo paradoxal da “democracia racial” tupiniquim.
A prisão estética contemporânea solidamente construída e legitimada pelos meios de comunicação, confina o ser humano fragmentando sua identidade e seu pertencimento, fazendo das bulas referências estética, estática e estatística.
A narrativa desvela a origem dessa imagem homogênea refletida pela mídia, descortinando os caminhos das descobertas da personagem de si e de seu encontro consigo mesma, trazendo uma sutil reflexão relativa à construção de sua identidade.
"As mulheres serviram por todos estes séculos como espelhos possuindo o mágico e delicioso poder de refletir a figura do homem com o dobro do seu tamanho natural." (Virginia Woolf)
Os olhares da Madrasta da Branca-de-Neve e de Narciso, refletem um florido caminho de ilusões e um delicioso estado de letargia, indicando um irreversível "opção" pela trilha que leva ao pelourinho eletro-digital.
O reflexo vindo dos espelhos das passarelas, das capas de revistas e outdoors, mortificam a auto-imagem da negritude, formatando possibilidades de opções únicas, proporcionando agressões e violências indiscriminadas nessa senda, contra a feminilidade da cor de ébano.
O filme documentário/ficção "KIBA: Ser e não ser...!!", Com argumento e roteiro de Ra-el de Oliveira, retrata esse processo quetizador e escravizante contemporâneo de violência contra essa mulher, que de ama-seca e mucama, enfrenta agora o sequestro e a colonização de sua alma, de sua feminilidade e consequentemente, sua anulação como cidadã plena nessa sociedade que manipula e faz uso de sua força ativa, se benefíciando desse desvalor propositalmente imposto pela elite dominante.
Esse filme observa esse olhar, traçando possibilidades de novos olhares. da mulher de cor sobre si mesma, e dos diversos reflexos proporcionados pelos diversos espelho-aracnídeos, relendo e revendo tais reflexos não como a mariposa vislumbra a luz do lampião, mas como um caminho e probablidades em seu verso, reverso e anverso.
Quando essas mulheres de cor, retomarem esse refiagem ancestral, formarão um rizoma com tantas teias, que a luz matinal poderia finalmente se matizar sobre as peles (kiba) de ébano, num prisma de milhões de miríades. Assim, não se embaçaria a visão sobre o reflexo desse espelho, deturpando-se sobre o véu das ilusões ou da letargia hipnótica, habilmente manipulados pela mídia.
E finalmente, se instalaria o paradoxo contrariando o mito de Er, que narra a reação de uma pessoa que viveu toda sua vida no escuro fundo de uma caverna e a reação dessa pessoa quando sai da caverna ao deparar-se com a luz. Com a visão desacostumada nesse novo cenário que estivera sempre ali, mas que ela nunca teve contato, não tomara conhecimento, mostra enfim, sua dificuldade em assimilar está nova realidade, os conflitos e o desejo de voltar a caverna.
"A memória é o espelho em que vemos os ausentes."
Hoje entrei no espelho de minhas memória e fui visitar a casa de meus antepassados; atravessei as águas da Guanabara, desembarcando na grande Necrópole carioca. Quando observei, com um leve sorriso e um suspiro de alívio, pude ver que os comerciantes da Praça XV não vendiam mais gentes, como outrora, mas sim objetos; Cheguei mais perto para estar certo, e poder constatar se minha certeza era verdadeira.
A preta velha perdeu sua casa e sua família, mas não sua dignidade e suas referências, pois sua memória vive, mesmo desterrada, assim como estou circunscrito fora do círculo de pedras pés-de- moleques no cume do Morro da Conceição. Ambos, eu e ela, alijados de cor e exilados na dor, caminhamos em direção contrária pelo Centro, na cidade embalada pelos ruídos do trânsito, sirenes e alarme, entre os gritos de vendedores ambulantes. Desviando-nos de transeuntes apressados após mais um dia de trabalho, partimos como notas azuis de uma canção fúnebre no cortejo de um velório de uma morte anunciada.
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"Às vezes o espelho aumenta o valor das coisas, às vezes anula. Nem tudo o que parece valer acima do espelho resiste a si próprio refletido no espelho. As duas cidades gêmeas não são iguais, porque nada do que acontece em Valdrada é simétrico: para cada face ou gesto, há uma face ou gesto correspondido invertido ponto por ponto no espelho. As duas Valdradas vivem uma para a outra, olhando-se nos olhos continuamente, mas sem se amar." (Italo Calvino)
"... E a mulher criou o espelho à sua imagem e semelhança.”... E assim, o mundo transformou-se no espelho de muitas Alices e Brancas-de neve que, como Narciso, perdem-se na busca de sua própria imagem.
Afogam-se na tela da TV, onde ela nunca se vê; nas capas das revistas que aparece na crista; numa total imersão no mundo virtual, ignorando todo o mal.
Amanda Reis entrou nesse espelho, se escondendo do passado, de suas raízes, de sua história que a perseguia sem trégua, apesar da cor de sua pele.
Ela segue em sua busca pelos labirintos de espelhos, estrategicamente colocados pela mídia, a fim de encontrar sua face perdida; Descobri-la é descobrir-se.
Portanto, tornou-se inevitável quebrar esse espelho, transgredindo o labirinto, para fazer sua própria sorte.
Assim, ela busca embevecida e as vezes freneticamente, mergulhar nas águas de Narciso, para sair do próprio espelho, quebrando todos os quebrantos.
Os generosos mercadores portugueses deram duas belíssimas opções aos autóctones, logo que desembarcaram em Terras brasilianas: Trocar seus vastos territórios por lindos e brilhantes espelhos ou por suas próprias vidas. Desde então as crioulas e crioulas tupiniquins sobreviventes vem se mirando no reflexo desses espelhos-presentes de grego português.
Assim, suas vidas não se perderam; apenas foram imersas no reflexo de sua própria imagem, formatada na trágica generosidade dos mercadores d’aquém-mar. Agora vivem e se alimentam da projeção de liberdade proporcionada por essa imagem. Liberdade esta, que se tornaram fantasmas de ébanos, em centenas de vultos negros, Zumbis e N´zingas.
Seus cabelos refletidos, ora negros, ora loiros, encaracolados e lisos, crespos e sedosos e de cores mergulhadas em profundas diversidades, se misturam na face do expectador, confundindo seu próprio reflexo e embaçando seus olhos que miram o vento Sul, vindo com os Tumbeiros dos Portos da Ilha de Goré detrás do espelho d'agua, acolhendo-o após cada mergulho em si. Assim, a alma negra revive saindo das profundezas desse espelho, após cair em si todas as vezes que alguém toca um tambor dentro de seu coração, anunciando a existência de sua própria vida.
No Brasil, nossa maior festa é uma festa negra: o CARNAVAL. A santa padroeira do Brasil é Negra: N. S. Aparecida. O Brasil é o segundo país com maior número de população negra no Mundo, ficando atrás somente da Nigéria; com o agravande de que a Nigéria é um dos países africanos que mais consomem cosméticos para embranquecer a pele.
Os reflexos desse embranquecimento se mostra na saúde das nigerianas, que desenvolvem tumores e diversas complicações debilitantes. No Brazil, esses reflexos se mostram na formatação da personalidade do cidadão negro, que desvaloriza sua história, sua cultura e seus ancestrais, valorizando a cultura considerada como única e legitima. A cultura da branquitude.
Apesar de sua história, de sua cultura e de suas raízes, o espelho da mídia preconiza as atitudes, gestos, discursos e o modus vivendi do cidadão de cor, para que ele possa orbitar nessa sociedade, mesmo sem ser assimilado como ser social.
Sem a comunidade o indivíduo fica sem um espaço para contribuir, sendo ela, a comunidade, o local onde o as pessoas compartilham seus dons e recebem as dádivas dos outros; é onde as pessoas cuidam uma das outras e realizam um objetivo específico ajudando os outros a realizarem seus propósitos.